Regina Silveira

Meialuz

E se nos fosse dado surpreender o funcionamento da sucessão de dias e noites, num símile de sua infindável alternância? E se topássemos com as antigas figuras do manto escuro da noite e da tela clara do dia, só que invertidas e tão perfeitamente materializadas a ponto de se poder caminhar por entre elas? E se existisse um lugar construído de tal maneira que o céu não estivesse muito além de nós, mas, ao contrário, se mostrasse habitável de dentro como numa casa, ainda que vazada em suas paredes extremas?


Em Meialuz, cada volta do “se”, limiar da imaginação, dá vista para o maravilhoso. Circular pela exposição, examinando a tridimensionalidade projetada da maquete Entrecéu, entrando no dispositivo ótico de Twilight, deixando-se levar pela pulsação das imagens e sons em looping no vídeo Mil e um dias é descobrir-se numa grande máquina de produzir fantasia. Máquina que, no entanto, extrai sua eficácia da variação e reconfiguração de poucos e explícitos elementos, reanimando metáforas primordiais.


Com elas, instala-se um jogo de tamanho e escala, em cada trabalho e na relação entre eles, de comparação dos apelos específicos de cada técnica, do dilatar e contrair das imagens em movimento, a partir de uma espécie de umbigo do mundo, do áudio que irradia pela sala um vento incessante, somado ao revezamento de vozes de crianças e ruídos de bichos noturnos. Um engenho que encanta e inquieta, que convoca a admiração e as decisões do entendimento.


A pintura de Correggio, os filmes de Mèliés ecoam discretamente aqui. E talvez também aquele relógio do barbeiro, de uma das fábulas italianas recontadas
por Italo Calvino, “que havia séculos e séculos andava sem que ninguém lhe desse corda”. E que além desta tinha ainda outra espantosa capacidade, a de responder com acerto, embora um pouco enigmaticamente, às mais variadas consultas de todos que o procuravam.


João Bandeira

© 2024. © Regina Silveira. Todos os Direitos Reservados.

Você não pode copiar conteúdo desta página. Todos os direitos reservados.